Poema escrito por Gibran Khalil Gibran, chamado:
O Louco
Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando: "Ladrões, ladrões, malditos ladrões!".
Homem e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: "É um louco!". Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E como num transe gritei: "Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!"
E assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade quanto segurança em minha loucura: liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.
Um olhar que é tido como julgador, punitivo. Um olhar carregado de amarras que determina a forma como cada um pensa dever agir para ser aceito, para agradar o outro. As pessoas afastam-se assim de seus projetos de vida e prendem-se ao desejo do outro. A autenticidade perde espaço enquanto a angústia sobre.
É importante lembrar que, em minha vida, o outro é fundamental para que eu me reconheça como individuo. Sou livre para escolher o que fazer com esse olhar. "O que importa não é o que os outros fazem de você, mas sim o que você faz com que os outros fazem com você", diz Sartre.
O homem necessita do mundo para saber quem é e situar-se em dado momento. "A essência do homem está em ser relativamente a algo ou alguém", afirma Heidegger, porém as pessoas muitas vezes desejam estar imunes a essa relação – com o mundo e com o outro. Elas querem estar acima de qualquer olhar que as denuncie em sua extrema humanidade.
"Não quero mais sentir", "não quero mais me envolver com as pessoas", "quero ter o controle total da minha vida sem que ninguém interfira nela, não preciso de ninguém", "não quero mais me preocupar com que o outro vai pensar". Desejos distantes da realidade humana, objetivos que fazem as pessoas afastarem-se de sua própria condição de existência. Querem vidas anestesiadas e ao menor sinal de angústia tentam combatê-la usando medicação de última geração em busca de alívio imediato. Eu posso evitar o sofrimento, eu posso vencê-lo com meu arsenal de comprimidos, maquiagem, com minhas máscaras, meus compromissos… fazer, fazer, fazer…não parar para pensar, não entrar em contato com a angústia, não escutar o que ela tem a dizer."
No poema acima, o personagem fica desesperado ao se ver sem suas máscaras, ao sentir-se nu em sua existência, tendo que contar apenas com o que é, sem toda a aparência que o coloca em contato com o outro. A autenticidade de poder se ver sem as máscaras aos olhos dos outros pode parecer loucura. O outro influencia a minha vida na medida em que eu me reconheço em seu olhar; porém, é importante que possamos ser nós mesmos para os outros, e isso é muito difícil porque o medo de não ser aceito é muito grande. Então, acabo sendo aquilo que o outro quer que eu seja e me perco, perco a minha autenticidade. Importante é ser-com: manter a individualidade sendo com o outro. Somos sozinhos enquanto seres responsáveis pelas nossas escolhas, mas, ao mesmo tempo, não somos sozinhos, pois precisamos da presença do outro. O personagem do poema conseguiu olhar para si mesmo, a partir dos raios de sol, energia, luz e gostou do que viu, pôde entrar em contato com sua essência, porém tornou-se louco, assumindo mais uma vez um "rótulo" ou uma "máscara", uma vez que o outro grita "Louco!". Para Sartre, isso é a "má-fé", ou seja, é aquilo que eu passo a ser a partir dos papéis que desempenho, passo a ser aquilo que não sou. Novamente, temos aqui a influência do outro em nossas vidas e percebemos que isso é inevitável – a má-fé existe sempre, pois o homem está no mundo desempenhando papéis sociais o tempo todo, não há como fugir disso, e esses papéis são sempre em relação ao outro.
Ele só pode ser louco porque tem a liberdade de escolher assim, e a escolha se faz na solidão, pois a responsabilidade em assumir essa loucura é do próprio individuo; e não ser compreendido nessa escolha – pois o outro não pode ter acesso a tudo o que eu sou – dá ao homem a segurança de poder exercer sua autonomia, suas escolhas, de poder construir seu projeto de vida, sendo mais autêntico, mesmo com toda influência a qual está submetido no contato com o outro.
"E encontrei tanto liberdade quanto segurança em minha loucura: liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós".