domingo, 30 de março de 2008

PLATÃO. Apologia de Sócrates

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. de Enrico Corvisieri. In: Sócrates. São Paulo: Nova cultural, 1999. p. 43-48. (Col. Os Pensadores).

Um de vós poderia ingerir: "Enfim, Sócrates, qual é a tua ocupação? De onde se originam as calúnias a teu respeito? Evidentemente, se não tivesses uma ocupação muito fora do comum, não haveria esse falatório, a menos que fizesses alguma extravagância. Dize-nos, pois, qual é ela, para que não façamos um juízo precipitado". (...)

Além do mais, os jovens que espontaneamente me acompanham, e são os que dispõem de mais tempo, os das famílias mais ricas, sentem prazer em ouvir o exame dos homens; eles próprios imitam-me muitas vezes; nessas ocasiões, põem-se a interrogar os outros; acredito que descobrem uma multidão de pessoas que supõem saber alguma ciosa, mas pouco sabem, talvez nada. Em conseqüência, os que eles examinam se exasperam contra mim e não contra si mesmos, e divulgam que existe um tal Sócrates, um grande miserável, que corrompe a juventude. Quando se lhes pergunta por quais atos ou ensinamentos, não têm o que responder; não sabem; porém; para não mostrar seu embaraço, apresentam aquelas acusações contra todo filósofo, sempre a mão: "os fenômenos celestes, o que existe sob a terra, a descrença do deuses, a prevalência da razão mais fraca". Porque, suponho, não estariam dispostos a confessar a verdade: terem dado prova de que fingem saber, mas nada sabem. Como são desejosos de honrarias, persistentes, e numerosos, persuasivos no que dizem de mim por se confirmarem uns aos outros, não é de hoje que eles têm enchidos vossos ouvidos de calúnias exacerbadas. Daí a razão de me atacarem Meleto, Ânito e Lícon, as dos artesãos e políticos; e Lícon, as dos oradores. Dessa maneira, como dizia ao começar, eu ficaria surpreso se conseguisse, em tão curto prazo, apagar em vós os efeitos dessa calúnia assim avolumada. Aí tendes, atenienses, a verdade; em meu discurso não vos oculto nada que possua alguma importância, nada vos disfarça. Não obstante, sei que me estou tornando odioso por mais ou menos os mesmos motivos, o que comprova a verdade do que digo, que é mesmo essa calúnia contra mim e são mesmo essas as suas causas. È o que haveis de descobrir, se investigardes agora ou mais tarde.


 


 

    

Nenhum comentário: