domingo, 19 de abril de 2009

NOSSA CULTURA MIMA OS ADOLESCENTES

Nossa cultura mima os adolescentes – é o título da Entrevista publicada em Carta na Escola com a psicanalista, Maria Rita Kehl. Segue para reflexão alguns trechos.


"o professor precisa aprender a valorizar seu capital intelectual, que não tem preço..."


1 – sobre conflitos existentes dentro da escola.

"... tenho impressão que a escola negociou demais. (...) Acho que houve um mal-entendido, lá pelos anos 60. Não que não tenha sido importante ter tido uma abertura e uma mudança curricular depois dessa década, já que a escola não podia ficar rígida e fechada como era antes. Mas o que tornou a escola um pouco sem sentido, para os alunos e professores, é que se negociou demais. E isso não é culpa da escola, mas é fruto de uma cultura que mima a criança e o adolescente, principalmente o adolescente. Ele é a fatia privilegiada do mercado, é o consumidor por excelência, porque está sempre mudando. (...) Então, os professores não sabem mais o que estão ensinando, porque eles estão ensinando coisas que seus alunos não querem aprender. Mas a escola sempre foi obrigação e pouca gente ia para ela porque adorava. E essa pergunta: "Para que serve aprender isso, para que serve aprender aquilo?", também era feita. Mudanças curriculares podem ser importantes, mas eu acho que, se a escola negocia demais sua posição, que é de formadora de socialização, mais do que de conhecimento, fica muito difícil sustentar-se diante do aluno, porque o professor passa a não ver mais sentido no que faz, porque, se a televisão é importante, se os videogames são interessantes e qualquer site ensina mais do que uma aula, para que serve a escola?"


2 – sobre o papel preponderante da escola: seria de formadora da socialização?
"Eu ainda acho que a escola é um aprendizado de convívio civilizado, da negociação de interesses e reconhecimento de quem se deve respeitar e como respeitar. Conheci uma escola pública de São Paulo no ano passado, chamada Amorim Lima e fiquei impressionada porque é uma escola que, de um jeito muito progressista, nada rígido ou conservador, não negocia determinadas coisas. Criou um ambiente regrado, que para os alunos é um alívio. Não são regras rígidas, porque na conversa que tive eles disseram: "A gente sabe dessas regras, porque nós as escrevemos no mural". Quer dizer, eles criaram um modo de convívio que mantém o papel educativo formador da escola e leva em consideração que os alunos, hoje em dia, não são robôs aterrorizados com medo de palmatória e de ir à sala do diretor. E acho que isso é uma questão para os pais também. O que é que sustenta o exercício da autoridade em uma sociedade tão aberta e democrática como a nossa? É diferente um professor que exerce a autoridade em nome da ordem, de Deus e das tradições, como acontecia nas escolas antigamente."


3 – sobre autoridade do professor.
"O professor não está escorado por todos esses pilares de mármore, felizmente não está, mas, ao mesmo tempo, ele tem uma posição de autoridade. Eu acho que a minha geração sofreu muito com a ditadura e ficou com horror do autoritarismo, passando a fazer uma confusão entre autoridade e autoritarismo. O autoritarismo é totalmente arbitrário, desmedido, punitivo e cruel. Autoridade é o exercício de uma diferença de posição que tem a ver com gerações, pais e filhos, professores e alunos, e que se exerce para, a partir daí, ter o que negociar. Porque, se não, é a desmoralização da escola. O filme do João Jardim, Pro Dia Nascer Feliz, é muito impressionante, porque vemos a diferença de postura. Mesmo em escolas públicas muito pobres há alguns professores que acreditam no que estão fazendo e seguem alguma coisa e outros que negociam tudo. No filme havia uma escola do Rio que tinha um aluno que estava totalmente fora dela e o pessoal continuava negociando com ele. É aí que a escola perde a "borda". É aquele medo de não perder o aluno e com isso se perde a escola toda."


4 – sobre sociedade de consumo e a questão do consumo em sala de aula.
"Nunca esteve tão forte como ideologia. Não sei se estamos no auge do consumismo, mas sob o aspecto da ideologia, da crença profunda de que você vale o quanto você consome, essa crença é muito arraigada." / "Se pensarmos o que é a tradição do intelectual, que é mais europeia do que brasileira, ele não é, necessariamente, um cara que está no topo econômico da sociedade. O intelectual é alguém que, de certa forma, se considera elite, na medida em que tem um patrimônio cultural valiosíssimo. Por isso acho que seria muito interessante que os professores se apropriassem desse valor, de que eles são detentores de um patrimônio cultural que não tem preço. E é isso que eles vão transmitir. Porque ouço que muitos alunos dizem: "Você é um zé-mané que não ganha nem para trocar de carro, e quer mandar em mim?", principalmente em escolas particulares. Se o professor tiver engolido essa crença que ele vale pelo que pode comprar, sairá arrasado de um confronto desses. Agora, se ele puder dizer: "O que eu tenho você vai ter de suar muito para obter e posso te transmitir se você aprender a me respeitar", é outra história."


5 – sobre excesso de negociação e aprendizagem prazerosa.
"...a revolução dos anos 60, que, se teve um lado muito interessante, teve um outro que se tornou completamente indulgente em relação às crianças e jovens. Lembro de um livro do Gramsci, Literatura e Vida Nacional, no qual ele faz um elogio da escola, muito engraçado e antigo para nós, dizendo: "A escola nos ensina coisas que vão ser úteis para o resto de nossas vidas, como, por exemplo, ficar sentado quatro horas ouvindo sobre um assunto". Quer dizer, tem algo que é precioso na escola, que é se concentrar, prestar atenção e acompanhar um raciocínio longo. Eu briguei muito em uma escola em que meu filho estudava, porque eles não davam livros para os alunos do Ensino Médio. Eu questionava porque eles não davam a oportunidade de eles lerem livros e eles diziam que os alunos não eram capazes de acompanhar. Mas é a escola que tem de torná-los capazes de acompanhar, quer dizer, se a escola vem com esse paternalismo de que é difícil demais para eles, eles não serão capazes de acompanhar mesmo. E isso começou com esse processo, demasiado, de negociação.

6 - sobre campanhas antidrogas, legalização e tráfico.

A primeira coisa que me vem é um artigo do Eugênio Bucci, no qual ele diz: "O que vale uma campanha contra as drogas se todo o resto da publicidade é a favor das drogas?" Aí você pensa que nunca viu publicidade de cocaína e maconha. Não, mas todas as publicidades dirigidas aos jovens fazem apologia do "barato" e depois vem uma dizendo, em 30 segundos, "droga não". Há uma de vodca, por exemplo, onde se vê uma paisagem cinzenta e através da garrafa a paisagem se transformava numa praia maravilhosa. Ou então, o cara come uma pastilha e flutua. Tudo é brincadeira, sem dúvida, mas é uma permanente convocação ao "barato". E, como a gente se acomoda rapidamente, a dose deve ser aumentada, a dose do "barato" e da imagem do "barato". E depois vai dizer que é para não se drogar? A sociedade está convocando o jovem a viver "de barato" permanentemente. Ele veste um tênis e pula, como se ele tivesse usado LSD. É tudo muito divertido, pensando friamente. Mas o convite que a sociedade de consumo faz ao jovem é o do mercado do "barato". Então, eu sou a favor de legalizar, mesmo porque se legalizar vai morrer menos gente de overdose do que morre de efeito colateral da violência do tráfico. O problema principal social do País hoje é o tráfico de drogas. E, certamente, quem tem menos interesse na legalização das drogas, hoje em dia, são os chefes do tráfico.
FONTE:
http://www.cartanaescola.com.br/edicoes/34/nossa-cultura-mima-os-adolescentes



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