segunda-feira, 7 de abril de 2008

IDADE MÉDIA: Trevas ou Filosofia?

Quando se fala sobre a Idade Média, logo pensamos no chavão "idade das trevas". De fato, não podemos esquecer do obscurantismo no campo das ciências empíricas, das epidemias, da caça às bruxas e da Inquisição. No entanto, é preciso entender esses fenômenos, próprios de seu tempo, antes de criticá-los. Seria ignorância avaliar o período de mil anos da história, reduzindo-o a meia dúzia de fenômenos e esquecendo-se das grandes criações nos mais diversos campos que a Idade Média nos legou.

Assim como reconhecemos os méritos do século XX, apesar das guerras e da violência, também devemos, por fidelidade à história e à verdade, reconhecer as grandes realizaçôes do período medieval. O desenvolvimento das artes, a construção das catedrais, o trabalho intelectual e humanístico das ordens religiósas, a criação das escolas e das universidades, a reconstrução da vida urbana, a preservação da famflia e dos valores religiosos, o testemunho dos grandes santos que arrastavam multidões de jovens para ideais elevados e, sobretudo, o alto nível do debate intelectual, bem como a conservação, a reprodução e a criação do pensamento clássico são realidades que comprovam a riqueza do medievo.

Fé e Razão

Desde a Patrística (periodo dos Padres da Igreja, que foram homens que através dos seus escritos constituíram-se em líderes e pais espirituais tanto na teologia como na filosofia - entre os séculos II e VII), até a Escolástica (período do surgimento das escolas e caracterizado pela subordinação da filosofia à teologia - entre os séculos Xl e XIV), a relação entre lé e razão foi pensada em trê formulações: "Creio porque é absurdo", "creio para entender" e "entender para crer". Longo foi o debate em torno dessas formulações. Destacamos Santo Agostinho (século V) que escreveu imensa obra sobre este tema. É preciso crer, pois a fé é necessária para o conhecimento da verdade religiosa e moral. Mas é preciso também usar a razão para que a adesão à fé não seja cega e meramente passiva. Santo Tomás de Aquino (século XIII) entende que fé e razão são modos diferentes de conhecer, mas não podem contradizer-se porque Deus é seu autor comum. Quando aparece uma oposição, é sinal de que não se trata de verdade, mas de conclusões falsas ou não necessárias. Nas universidades, estas questões não só eram expostas (expositio) pelo mestre, mas também debatidas com os alunos (disputatio). A unidade religiosa da Idade Média não significa a existência de uma única linha de pensamento, pois sobre o mesmo tema encontramos posições diferentes. Basta comparar, por exemplo, Anselmo, Boaventura, Ockham etc.

Igreja e Estado


Igreja e Estado por si só, tendo objetivos e instrumentos diferentes, deveriam configurar-se como duas sociedades completamente separadas. Mas, de fato, essa separação nunca existiu, porque os sujeitos das duas instituições normalmente são os mesmos, A cristandade era entendida como única sociedade onde os cidadãos são os fiéis, Isto não só no mundo cristão, mas também judeu e muçulmano. A relação entre Igreja e Estado provocou debates prolongados e acesos, principalmente entre os séculos XII e XIV, momento de intervenções indevidas de ambos os poderes. Três foram as soluções sobre este problema. Tomás de Aquino reconhecia a autonomia dos poderes, mas propunha a subordinação indireta do Estado à Igreja. O Papa Bonífácio VIII entendia que o Estado deveria estar totalmente subordinado à Igreja. O filósofo Marsilio de Pádua desenvolve a teoria da soberania popular e da subordinação direta da Igreja ao Estado.

Idade Média e Atualidade

Como vimos, os temas medievais constituem-se em raizes de temas contemporáneos. Ninguém pode negar a importância e a atualidade do debate entre teologia e ciência. Questões como evolucionismo, clonagem humana, trabalho aos domingos, educação para os valores da pessoa humana, fecundação "in vitro" e experiências em seres humanos são temas que envolvem reflexões da ética, da moral e também a influência das religiões que tendem a crescer e sempre ocupar espaço ao lado do mundo da ciência. Também a relação entre Igreja e Estado exige reflexão racional para se estabelecer os justos limites de ambas instituições. A filosofia contemporânea e as escolas e universidades devem resgatar dos medievais a seriedade destes debates, pois, do contrário, corre-se o risco de aumentar os fundamentalísmos religiosos e políticos que destróem vidas e enfraquecem as legítimas instituições ou de se cair no racionalismo extremado que não corresponde aos anseios da pessoa humana e impedem a construção de uma sociedade civil que necessita de valores transcendentais, como a solidariedade, para a permanente construção da democracia.



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